A Casa da Alegria - Edith Wharton (1905)

(Contém revelações sobre a história do livro)

O livro começa nos apresentando à nata da sociedade nova-iorquina do começo do século vinte lidando com problemas profundamente superficiais e desnecessários, o que comecei achando irritante e desmotivador na continuidade da leitura. Contudo, desde o começo existiram três aspectos que considerei interessantes e que me mantiveram minimamente engajado: o papel da mulher naquela sociedade, o universo que o livro apresentava e, por fim, uma fagulha de romance e saída para nossa protagonista.

No segundo capítulo, Lily confabula: "Por que uma moça deveria pagar tão caro pelo menor desvio da rotina? Por que nunca era possível fazer algo natural sem precisar se ocultar atrás de uma estrutura de artifício?". Aqui a autora já demonstrava, por meio de sua personagem principal - a jovem, deslumbrante e inteligente Lily Bart - a situação de mulheres nessa sociedade, que as tolhia e criava regras artificiais que as aprisionava numa rede de subjugação - o patriarcado. Lily, durante todo o livro, luta para vencer nesse sistema, apesar de ter de lutar até contra a própria consciência.

Por vezes, me frustrei junto com seus planos quando, ora queria que eles se concretizassem e tudo ocorresse bem, apesar de não ocorrer como esperava, ora torcia para que Lily quebrasse o jugo e tomasse o rumo de sua própria vida, escolhendo uma vida mais simples e, aparentemente, feliz, coisa que ela também não conseguia se decidir por fazer. Torci para seu sucesso pois a autora conseguiu, com maestria, transmitir os sentimentos e sensações da personagem. No fim, Lily optou por levar uma vida mais simples e livre, mas isso não trouxe a felicidade que eu esperava e desejava que ela conquistasse.

Algo que me encantou no livro é que a psicologia da personagem é muito bem apresentada e desenvolvida, e isso me ajudou a gostar e entender Lily Bart, seus dilemas e sua vida profundamente improdutiva, nos diversos aspectos. Talvez, inclusive, Uma Vida Improdutiva poderia ser o subtítulo do livro, pois aqueles personagens fazem tudo menos trabalhar, nos revelando mais uma faceta dessa sociedade apresentada: a profunda improdutividade da nata social, que nada produz, mas à qual tudo pertence. Ademais, a própria Lily falha em ser produtiva mesmo dentro do próprio sistema - falhando em ser a herdeira, falhando em tornar-se de pretendente a noiva, falhando em tornar-se independente e, por fim, falhando em viver o seu amor.

O segundo aspecto que me interessou pela leitura do livro, mesmo antes de começá-lo, foi o conhecimento de que a própria autora é do meio que ela nos apresenta na obra - tendo nascido e vivido no meio da alta sociedade nova-iorquina. Eu tendo a gostar de histórias que apresentam um contexto histórico-social diferente do meu, o que foi um ponto bastante positivo em relação a esse livro, que me levou a entender e conhecer um pouquinho das engrenagens que faziam aquele mundo girar.

Por fim, o romance entre Selden e Lily foi a pitada de sal que eu precisava para apreciar o prato que Edith Warthon oferece na sua A casa da alegria. O livro começa e termina nesse casal. Torci por eles desde o início, quase implorava a Lily que colocasse juízo em sua própria cabeça para decidir-se por Selden como companheiro e abandonar o desejo de pertencer às altas rodas. 

Haviam motivos que dificultavam a decisão de Srta. Bart, apesar dos desejos do leitor aqui de que ela se decidisse em favor do inteligente e apaixonado Selden. Lily foi criada por uma mãe que instigava esse comportamento. Ela, como fruto que era do ambiente a que pertencia, acreditava que sua felicidade residia no casamento com um bom partido - rico e apresentável à sociedade - e que festas, veraneios e toda aquela dança social era o que a preenchia e dava sentido à sua vida. 

Lily era extremamente linda e hábil com os traquejos sociais, o que fazia com que esperasse - ela própria - um homem à altura dela. Selden era esse homem, com inteligência e índole, mas faltava na conta bancária e, como Lily contou a ele, ela era "uma mulher cara".  Isso, contudo, ia contra a consciência da própria Srta. Bart, o que culminava em diversos casos de autossabotagem. Essa relação que ela mantinha com Selden parece ser justamente a última esperança de Lily desvencilhar-se de suas origens e optar por uma vida mais livre, como ela mesma define.

Ao fim do livro, fica claro que Lily, de fato, conseguiu seguir sua consciência e desvencilhar-se da alta sociedade, o que foi muito satisfatório para nós enquanto leitores, mas ela, ainda assim, não conseguiu ser feliz. O ambiente era impróprio para sua pureza, o trabalho era impróprio para suas mãos delicadas, as pessoas eram impróprias para o seu convívio. Não é triste isso? Parece que não existia local de felicidade plena para Lily naquele mundo. Talvez, somente talvez, com Selden ela pudesse ser feliz, mas aí é pura conjectura, já que ela não pode descobrir isso, nem nós nunca poderemos.

Apesar dos altos e baixos, das questões e dúvidas que rondaram a honra dela por ousar fazer negócios com um homem, no fim, a relação de Lily e Selden deu certo. Contudo, infelizmente, foi tarde demais. A palavra, capturada pelos dois separadamente, nunca foi dita. O amor, no fim, não pode florescer.




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